Tem uma coisa que o Byung-Chul Han insiste em dizer e que, se a gente parar por dois minutos (sem abrir outra aba), vai fazer sentido até demais: perdemos os rituais — e com eles, o tempo, o sentido e o pertencimento.
Rituais, segundo ele, não são só aquelas danças misteriosas ao redor da fogueira ou o Natal com frutas cristalizadas. São formas simbólicas de habitar o mundo com os outros. Repetições que não cansam, porque têm valor em si: o gesto de servir o chá, o silêncio compartilhado, o caminhar até a banca no domingo.
Rituais não aceleram, não produzem, não vendem — mas criam mundo.
E o que fizemos com isso?
Jogamos fora. No lugar, colocamos eventos, metas, stories, automação, emojis, conteúdo “relevante” e produtividade 5.0.
O tempo virou cronograma. A presença virou “entrega”. E o eu virou um projeto de branding pessoal que nunca se conclui — nem dorme direito.
Byung-Chul Han chama isso de “sociedade do desempenho”: um mundo onde ninguém mais nos explora, porque nos autoexploramos com entusiasmo, na esperança de sermos a melhor versão de nós mesmos. E quando falhamos (o que, claro, acontece sempre), culpamos a nossa “falta de foco”, e não o sistema insano que nos faz correr em círculos.
✨ Entre o like e o laço
O resultado? Estamos exaustos e sozinhos, mesmo hiperconectados.
Vivemos num presente contínuo, sem marcos, sem memória, sem narrativa. Cada postagem é esquecida em 8 horas. Cada conquista dura 5 segundos antes de ser superada pela próxima meta.
É por isso que plataformas como o Catarse ainda nos surpreendem. Porque ali o tempo é outro: há espera, há processo, há comunidade real. Apoiar um projeto significa se comprometer com algo que ainda não existe — apostar no simbólico, no potencial, no gesto coletivo.
Sim, aquela plataforma de financiamento coletivo que parece meio analógica demais pra 2025, mas que ainda tem um quê de ritual comunitário. Lá, a mágica é diferente: as pessoas se juntam por uma causa comum, esperam o tempo de maturação do projeto (como se fosse um vinho — ou um livro) e, no fim, celebram juntas.
Não é scroll, é construção. Não é curtida, é apoio.
Isso, acredite, é mais revolucionário do que qualquer viral do TikTok.
Na Laboralivros, a gente também não está exatamente fazendo "livros do momento".
Nosso negócio é mais o momento do livro. Resgatamos obras esquecidas, traduções que ninguém pensou em trazer, histórias que não seguem a curva de engajamento da semana. E fazemos isso com um tempo próprio, artesanal, quase ritualístico. Porque acreditamos que ainda dá pra criar uma comunidade em torno de ideias — não de produtos.
Trazemos de volta narrativas que foram deixadas pra trás porque não rendiam — mas que ainda ensinam a desacelerar, a escutar, a fazer perguntas que não cabem num carrossel de Instagram.
Não é só nostalgia. É insurgência simbólica.
💡 Tá, mas o que eu faço com isso?
Você pode começar com um pequeno experimento:
Escolha um ritual e repita-o por uma semana. Sem meta. Sem app. Sem postar.
Pode ser preparar um café com calma. Escrever uma carta. Caminhar todo dia no mesmo horário, sem música. Ler uma página de um livro em voz alta pra ninguém.
Parece pouco? Pois é aí que mora o tempo qualitativo de que Han fala.
É nesse gesto simples e repetido que você volta a habitar o tempo — em vez de só atravessá-lo.
E quem sabe, nesse processo, você perceba que talvez... só talvez...
não seja você que está improdutivo demais. Mas o mundo que ficou simbolicamente vazio.